domingo, 31 de março de 2013

Sexta-Feira da Paixão


Acabou.
E para onde vão os sonhos, as rotinas, os planos?
No quarto escuro de uma cidade abandonada,
Choro a decisão incerta. São Paulo não tem ombros.
Passado, futuro, o disco de Fágner...
Quem viver, chorará.


Sentia falta de ser eu
O polêmico, o expulso do Marista, o homem da meia-noite.
Não dá pra ser feliz,
onde o pequeno mundo é o maior país.


Peço perdão.
Por me enveredar sozinho no deserto.


E agradeço.
Pelos incontáveis momentos, pelo cuidado, pelo formato.

(Chove no meu rosto)

quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Desrespeito no Morumbi


Neste domingo (18/11/2012), dirigi-me com minha noiva até o Estádio do Morumbi para assistir o jogo entre São Paulo Futebol Clube e Clube Náutico Capibaribe. Sabia de antemão que a previsão de público era enorme, devido a estreia do jogador Paulo Henrique Ganso e a possibilidade do clube paulista garantir a vaga na Libertadores por antecipação, liguei para o SPFC na quinta-feira (15/11/2012) para saber como deveria proceder para comprar meu ingresso para a torcida do Náutico no Morumbi. A funcionário me informou que os ingressos para a torcida visitante seriam vendidos no dia do jogo, à tarde. Entrei no site do clube paulista e no site do Globo Esporte para verificar e lá estavam informando que o espaço da torcida pernambucana seria no Portão 15, com capacidade para 3 mil torcedores, no anel superior (arquibancada vermelha). Pensei que não haveria problema em conseguir dois ingressos entre os 3 mil lugares reservados.

Cheguei nas imediações do Estádio Cícero Pompeu de Toledo às 15:10h e me dirigi ao portão 15. Para minha surpresa, havia uma multidão tricolorida adentrando pelo Portão 15. Segui e avistei uma faixa branca de pano com os dizeres: Torcida Visitante Portão 18. O local reservado era o confortável “espaço vip” de uma famosa empresa de cartões de crédito. O local não comportava mais que 200 pessoas! Antes de entrar, os funcionários do SPFC informaram que não havia mais ingresso para a torcida visitante e que só liberaram 200 míseros bilhetes para os pernambucanos. Ficamos no sol escaldante, sem segurança policial, vestidos com a camisa do Náutico no meio da multidão de mais de sessenta mil pessoas do São Paulo. Por sorte, uma moça vestida com a camisa da Fanáutico apareceu com uns ingressos, por volta das 16:15h e “salvou” a tarde de umas 40 pessoas. Muitos alvirrubros não toparam esperar ou não conseguiram pegar um dos 40 ingressos e não puderam entrar no Morumbi.

Todos os 200 torcedores do Náutico que estiveram no Morumbi poderão servir de testemunhas (além das imagens da TV). Ou seja, o São Paulo Futebol Clube não respeitou as leis do Estatuto do Torcedor que prevê a acomodação e a segurança dos visitantes. Se haviam 62 mil pessoas no Morumbi, 6.200 ingressos deveriam ser reservados para a torcida do Náutico. Mas, deixaram apenas 200 e as bilheterias do Morumbi fecharam às 10:45 da manhã, sem ingressos. Como torcedor alvirrubro residente em São Paulo, peço à diretoria do Náutico que entre com uma representação contra o São Paulo Futebol Clube para que, da próxima vez, cumpra a lei. Nada mais do que a lei. Já acompanhei jogos do Náutico no Pacaembu, Arena Barueri, Canindé e Anacleto Campanela, e fui encontrar a mais horrenda bagunça no pretenso clube mais moderno e organizado do Brasil. O local onde ficamos só podia ser ocupado da metade pra trás, porque quem sentasse nas primeiras cadeiras estava sujeito à cusparadas, copos plásticos e sapatos da torcida mandante.A diretoria do Náutico tem a obrigação de defender e representar seus torcedores que moram fora de Recife. Nós somos embaixadores e seguidores do clube fora de Pernambuco. Conto com a ajuda dos outros torcedores para a divulgação do fato para que as outras diretorias dos clubes pernambucanos policiem junto ao clube mandante a locação e a segurança dos torcedores visitantes em outras praças esportivas. 

Saudações alvirrubras,

Dodô.  

quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Tempo de tolerância


Quando Ivan Turguêniev publicou seu mais famoso romance, Pais e Filhos, em 1862, inaugurou uma temática de importância fundamental no estudo da literatura russa da segunda metade do século XIX: a questão niilista. A grandeza do romance proporcionou um acalorado debate entre os pensadores da época, e a locação do protagonista Bazárov em determinado nicho ideológico era primordial para a popularização do homem "liberal" russo. Após o sucesso do romance, Fica evidente a bifurcação entre literatura niilista e anti-niilista. 

Neste universo onde não havia espaço para a tolerância, onde os radicais e intelectuais liberais viviam sós, num abismo duplo entre o povo ignorante de sua tarefa política e de uma autocracia distante, havia uma voz que tentava conciliar as partes separadas: a voz de Dostoiévski no seu periódico, O Tempo.
Recém-chegado da Sibéria em São Petersburgo, Dostoiévski retornou num momento de forte discussão política e tratou de colocar O Tempo na praça. Seus companheiros eram os críticos Apolon Grigóriev e Nikolai Strákhov, além do seu irmão mais velho, Mikhail. Juntos fundaram um movimento chamado “Pótchvenichestvo”, uma espécie de “retorno às raízes”, mas num sentido mais amplo do que o fornecido pelo primeiro Romantismo alemão. Dostoiévski e sua plêiade intentavam difundir uma ideia que fosse conciliatória, que levasse a educação ao povo do campo, mantendo as tradições russas e transformando pacificamente a sociedade. Assim pensava Dostoiévski em 1861:
Outro aspecto digno de nota no programa editorial de Dostoiévski, que mais uma vez o distingue dos radicais, é sua insistência no fato de que a transformação deve ocorrer pacificamente e a convicção (ou esperança) de que a violência será evitada. 'Sem dúvida, a questão mais importante atualmente é a melhoria das condições de vida dos camponeses. […] O desenvolvimento dos futuros princípios de nossa vida não deveria fundamentar-se na inimizade entre as classes, entre conquistadores e conquistados, como acontece em toda a Europa. Nós não somos a Europa, e entre nós não deveria haver conquistadores e conquistados.'” (FRANK, 2002; 69)

Este é um período interessante da carreira de Dostoiévski, o escritor dos abismos da alma, dos gestos extremos, encontrava-se receoso em opinar sobre o tema, buscando conciliações entre os conservadores e liberais. 
Mas, a paciência de Dostoiévski teve um limite. Com o passar dos anos, suas relações com os radicais foi se agravando e seus termos com Turguêniev foram se tornando mais distantes. O tema do niilismo acompanhou Dostoiévski por toda a década de 1860, tendo se iniciado em Notas do Subsolo (1864); encontrado em Raskólnikov de Crime e Castigo (1866) um niilista que vai transpôr para a prática as teorias do “tudo é possível”; até chegar na sua ojeriza máxima aos radicais nos personagens aloprados de Os Demônios (1871).

E se tivesse morrido...


Faz calor em São Paulo. Duas quadras abaixo, a polícia faz um pente fino na favela. Mataram um policial da Rota dias atrás. Ainda ficarei mais uma semana sem qualquer dinheiro. Pela janela, o mundo nitente. O livro de Sartre que abandonei há doze dias, diz na página 96: “E se tivesse morrido...” Li toda a página sem entender, talvez devesse retroceder. Faz tempo que não escrevo nada, nem sobre a desilusão. Seria esse o estado mais avançado do niilismo?

Que dia estúpido para se morrer.

quarta-feira, 23 de maio de 2012

O Assunto da Semana

A semana começou conturbada no maior país da América do Sul, tudo porque a mais famosa apresentadora infantil expôs uma parte dos seus problemas pessoais para a imprensa. Bem, não me cabe estabelecer juízo de valor, pois tenho uma péssima relação com o presente. As mudanças são tantas que, cada dia menos, sei jogar este reality show. Portanto, me eximo de comentar sobre o caso, ao menos neste primeiro parágrafo. Mas, muita gente andou comentando por aí. Eu não vi a famosa entrevista, mas imaginem só - sei de tudo! – Isto porque todo mundo deu a sua opinião: 

Primeiro, os gaiatos. Ah, esses fizeram fotomontagens com a apresentadora na entrevista e no seu mais famoso filme, Amor, Estranho Amor; criaram frases moralistas do tipo: “Ah, reclama de abuso infantil e fez um filme pornô com um menino de doze anos!” - Acusaram os revoltosos. E mais, tantos outros escreveram justificativas pautadas no comportamento da juventude dos anos 2000, com dados sociológicos, inclusive! O argumento era, grosso modo, assim: muitas crianças que faziam as coreografias sensuais que Xuxa ensinava no fim dos anos 80 foram molestadas pelos mais velhos por despertarem uma primaveril sensualidade. Isto, veja bem, explicaria a liberação sexual mais agressiva após a segunda metade da década de 1990. Houve até quem citasse o famoso livro de Vladímir Nabokov, Lolita

E por falar nos sociólogos, esses paladinos da verdade coetânea, eles também opinaram. Estes nossos amigos imprescindíveis, são os carimbadores oficiais da justiça, os delimitadores da fronteira do legal. Eu mesmo, na ausência do entendimento do presente, sigo-os sempre. Sinto até vontade de ir pras suas ocupações, marchas e protestos. E sinto vergonha quando não participo. Pois bem, estes vanguardistas das ciências humanas alertaram para a importância de se discutir o caso: a pedofilia no Brasil precisa ser combatida. Um problema antigo, que remete ao machismo impetrado em nossa sociedade colonial, cujas origens se encontram no século XIX. 

E por falar no século-pai da contemporaneidade, como não lembrar dos historiadores! Pois bem, eles também dissertaram sobre o desabafo da Rainha dos baixinhos. Li relatos que buscaram as origens do interesse sensual pela juventude. Um amigo historiador comentou sobre o acontecimento que envolve o baile de 15 anos de uma garota. E vejam, seus argumentos foram tão convincentes que se não fosse por um niilismo covarde, eu até me abraçaria à sua preleção. Ele dizia que, historicamente, as moças após a primeira menstruação já começavam a ser cortejadas pelos marmanjos, sendo assim, a festa de 15 anos, tão tradicional entre mocinhas da minha geração, por exemplo, seria uma maneira de o pai apresentar a filha à sociedade: “Vejam, minha beldade está à disposição dos homens de boa corte.” Que argumento imperioso! Pautado numa tradição de décadas, quiçá séculos! É, mas houve quem questionasse a maturidade da donzela... 

E os psicólogos também encheram as redes sociais de argumentos muito seguros de que o cérebro humano ainda está em formação e que precisava ultrapassar as etapas necessárias para uma boa auto condução moral, além do tempo necessário para a transição entre a infância e vida adulta, de maneira que toda moléstia a adolescentes, se encerra em crime a ser repudiado pela justiça. 

Os jornalistas escreveram sobre questões técnicas: houve quem lembrasse que as paredes do cenário e o piano ao fundo da análise pública eram muito apelativos. Outros, filiados à imprensa marrom (acho que os oceanos midiáticos possuem essa cor hemorroidal), traçaram mil especulações e ganharam assunto para semanas, garantindo assim, a informação para o ávido público consumidor. 

Parece que todos possuem uma opinião sobre o caso e, ficaria até feio para mim não opinar também, já que o pobre leitor perdeu seu tempo até o último parágrafo. Escrevo de dentro do metrô, ao meu lado, duas senhoras gordas conversam sobre o depoimento da apresentadora ao programa dominical, acharam um absurdo aquela super exposição. Imaginem, o metrô está parcialmente em greve, anda tão devagar, devido à operação tartaruga, que deu até tempo de escrever essas linhas. A voz mecânica advertiu: “Estação Terminal Butantã, solicitamos que desembarquem do trem nesta estação.” Bem, na próxima postagem, eu dou minha opinião sobre o valioso caso.

quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

O Quirguiz



Esse foi meu último dia no Tartaristão. Partindo da casa de Masha para a estação de trem, o tempo já era curto, mas Masha teve a ideia de que eu deveria comprar uma matriosha numa lojinha de souvenirs, pois em Kazan seria mais barato que em São Petersburgo. Estava um dia quente, uns 14 graus positivos, fazia sol e não tinha muitas nuvens no azul-claro tártaro. Compramos a matriosha e entrei no vagão da terceira classe (plazkard) com o trem já apitando a partida. Para minha sorte, o trem não estava lotado, das seis vagas da cabine, apenas três pessoas ocupavam: eu, um lutador de sambo (luta greco-romana) e um homem moreno, com a pele do rosto queimada do frio, olhos levemente puxados, era um quirguiz.

Cumprimentei meus companheiros de viagem, afinal passaríamos 25 horas e meia, juntos, no trecho entre Kazan e Peter. O trem partiu às dez da manhã e eu não comprara cigarros, minha carteira de Marlboro Light só tinha mais duas unidades. Perguntei se algum dos companheiros tinha isqueiro. O lutador de sambo não fumava e o quirguiz tinha fósforos, e foi me fazer companhia no último compartimento do trem, donde se pode ver a estrada ficando pra trás. Enquanto fumávamos, mostrei minha preocupação que após aquele cigarro, só teria o último. O quirguiz me mostrou uma carteira de cigarros muito barato, cheinha. Dentro de uma hora passei a me utilizar da sua carteira que, por cortesia, ele deixava em cima da sua mesa e me oferecia o tempo todo. O lutador de sambo pouco se comunicava, estava muito calado e pelas marcas no rosto, deveria ter lutado em Kazan dias atrás. Talvez tivera perdido a luta, estava com o rosto todo cortado. Não ousei perguntar muitas coisas, ele apenas disse que era de Tver e estava voltando pra casa, na cidade que fica no caminho entre Moscou e Petersburgo.

Novamente, fui fumar com o quirguiz e passamos a conversar longamente. Ele ficava muito feliz em conversar comigo, dizia que era a primeira vez que via um brasileiro. Era a primeira vez que eu conversava com alguém do Quirguistão também. Durante os três meses em que fiquei no Tartaristão, tive a oportunidade de conhecer muitas pessoas da Ásia Central: azeris, turcomenos, tadjiques e uzbeques, mas nenhum quirguiz. O Quirguistão é o mais pobre desses países pobres da Ásia Central. Ainda pagando o tributo de uma recente guerra civil, o país vive no caos, sendo habitado, em sua maioria, por mulheres, velhos e crianças, pois os homens adultos vão tentar a sorte noutros países, especialmente no vizinho Uzbequistão, um pouco mais organizado. Assim também acontecia com meu amigo, cujo nome diferente agora não me lembro, mas que deixou impressões fortes no meu espírito.

Como eu não tinha me preparado para a viagem, chegara em cima da hora, não tinha trazido lanches e, de início, tive que comprar o chá no próprio trem, por 12 rublos. Ao me ver pagar pelo chá, o quirguiz disse: não precisa, eu tenho bastante chá e pão preto, além de uns biscoitinhos doces. Eu prometi que tão breve o trem fizesse uma parada mais longa compraria tudo: chá, lanche e cigarro. Fomos fumar seu cigarro, pois o meu acabara. Era péssimo, tinha gosto de pólvora e era mais “quente” que o normal. O quirguiz me contou sua história: estava há três anos longe de casa, onde deixara esposa e três filhos numa aldeia e fora tentar a sorte em Bukhara, cidade uzbeque. Lá trabalhava como pedreiro, até que apareceu a chance de trabalhar como peão numa fábrica em Nizhnekamsk, perto de Naberezhnye Chelny, onde eu morei. A fábrica ia de mal a pior e já fazia três meses que ele não recebia salário. Com o pouco dinheiro que recebia na Rússia, sustentava a família no Quirguistão. Gastava muito dinheiro com ligações telefônicas pra falar com os filhos e esposa. Eu escutava seu relato emocionado. Mas, a emoção desses homens das montanhas da Ásia Central são diferentes das nossas. Eles nem pensam em chorar, embora seus corações fiquem trêmulos de saudade. Desde cedo aprendem a ser fortes. Agora, estava indo para São Petersburgo, onde um amigo prometera-lhe um novo emprego na construção civil. Ele me perguntou se eu sentia falta da minha família, no Brasil. Disse-lhe que sim, mas que os via todos os dias pelo Skype, sem pagar um copeque por isso. Ele arregalou os olhos! Expliquei-lhe que havia um programa de computador que permitia conversar com as pessoas, vendo as imagens, inclusive. Ele se interessou demais pelo assunto, anotou os nomes e disse que tão breve recebesse o salário, compraria um computador e enviaria para a família. Mas, depois ele se entristeceu novamente, pois na aldeia quirguiz ainda não tinha internet.

Ficamos conversando longamente, falei-lhe do Brasil, de como nosso país é bonito, mas pobre também. Ele me falava das montanhas e desertos de sua terra. Quando o trem parou numa cidade da Tchuváshia, comprei cigarros, dei um Marlboro pra o meu amigo e comprei comida para uns três dias de viagem. Logo o lutador de sambo entrou na conversa também, ele achava engraçado um brasileiro e um quirguiz conversando no mesmo vagão que ele, em russo, cheios de erros gramaticais. O lutador de sambo mostrou foto da namorada, falou da sua cidade, a famosa Tver, terra natal de Bakúnin e onde Dostoiévski viveu por seis meses, na volta da Sibéria. Às quatro da manhã, o lutador desceu em Tver, estava escuro ainda, eu via as luzes manchadas da cidade grande. Voltei a dormir. Quando acordei estava claro e o quirguiz estava na janela olhando a paisagem cheia de pântanos, lagos e rios. Era a certeza que estávamos chegando perto do destino, a capital de Pedro, o Grande. Quando o trem chegou ao destino final, tive vontade de abraça-lo, mas sabia que isso não seria correto para a cultura dele, apertei sua mão com força e desejei-lhe muita sorte na vida, saúde para si e sua família. As imagens do seu rosto, das nossas conversas, estão vivas em mim, e continuarei levando nas memórias daqueles meses inesquecíveis. Outro dia, caminhando perto da Praça Sennaya, na Avenida Staro Petergovskyi, observei um grupo de pessoas jogando futebol numa quadra, aproximei-me, disse que era brasileiro e gostaria de saber como poderia entrar pra jogar. Um quirguiz falou comigo, não era o mesmo do trem, mas disse: “ora, um brasileiro, você vai jogar no meu time na próxima partida!”

quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

2011, The Magic Year.

Todo fim de ano nos pegamos repetindo os mesmo rituais: uma análise do que se viveu e uma preparação para nossas aspirações de imortalidade. Nessa retrospectiva íntima, só posso agradecer ao que me aconteceu nesse ano que se finda. Consegui alcançar os objetivos profissionais que tracei, e tive, de bônus, algumas surpresas positivas.

Logicamente, nem todos os dias foram de segurança e felicidade, também não é isso o que almejo. Viver sem dor é não ter carne, e ainda não somos robôs. Perdi amigos em 2011, passei mais da metade do ano sem ter dinheiro para ir no cinema, tédio e enfado visitaram-me com frequência. Mas, o pulo do gato foi dado nesse ano que teima em avisar, ainda tenho dez dias.

No último reveillon, estava na casa da família Perez, dos meus amigos-irmãos, Tiago e Hugo, quando à virada do calendário, pus-me a atacar os sonhos. Diante do mar quente de Itamaracá, decidi que iria viajar e que iria tentar a seleção de algum doutorado nalguma universidade brasileira. Eu que há tantos anos sonhava nas páginas de Tolstói e Dostoiévski, um dia sentir o cheiro da terra russa, tocar sua neve, escutar suas vozes, mesmo que por ecos distantes. Decidi-me que iria viajar para a terra dos meus escritores favoritos, nem que para isso vendesse tudo o que eu tivesse, e passasse quinze dias no inverno de Moscou. Quis o destino estar ao meu lado. Encontrei uma ONG chamada AIESEC que me levou, não pra sonhada Moscou, mas para uma cidade desconhecida do Tartaristão, onde vivi dois meses e meio de uma lua de mel única. Ainda passei quinze dias a percorrer as outras cidades que mais desejava, entre elas, a mítica Novgorod e a desejada Petersburgo. A Rússia foi um capítulo de páginas infindáveis de um livro que, com fé no destino, será reeditado.

Deixei, a contragosto, a terra que me abraçara de maneira maternal. Em quase três meses, a Rússia tinha me dado duas oportunidades de emprego, amizades, uma paixão abrasadora, lembranças inesquecíveis. Mas, por um capricho burocrático, tinha que voltar a Recife, onde não teria emprego, nem motivação. Passei um mês de ressaca. Até que resolvi procurar uma professora em São Paulo que nunca me negava orientação nos estudos. Falei que tinha um projeto para trabalhar o niilismo na obra de Dostoiévski. Meio sem acreditar, tentei a seleção do doutorado da USP, justamente no departamento que mais sonhava, o de Língua e Cultura Russa. Após quase dois meses de ansiedade, o resultado me foi positivo. Agora aguardo o momento da nova mudança.

Também foi o ano de vestir a camisa do tempo. Os trinta anos me caíram nos ombros, com aquela necessidade de solidez, montada no impetuoso fulgor dos vinte anos. Cada dia que passa, gosto mais de ficar em casa, com meus livros e minhas ríspidas inquietudes. O desejo de estabilidade ronda o cotidiano.

Pelos dois objetivos alcançados, e narrados anteriormente, o ano já teria sido magnífico. Mas, a vida nos reserva outras surpresas: a convivência com meus velhos pais e os pequerrotos sobrinhos, a boa defesa da dissertação do mestrado, a subida do Náutico de divisão, a presença afável de quem se aproximam nas asas metálicas de um avião... 2011 me cochicha, na surdina, que Deus fez o mundo em sete dias, por que não viver os próximos dez?

terça-feira, 20 de dezembro de 2011

O Bom Momento do Futebol Russo


Nos últimos dias, estive a pensar em criar um blogue que falasse somente sobre o futebol russo. Pra quem acompanha este pequeno terreno virtual sabe que todos os caminhos conduzem às estepes russas. Aproveitando o bom momento vivido pelos clubes russos e por sua seleção nacional, pensei: "Por que não criar um blogue?" Um pequeno projeto para janeiro, se o destino aprouver. Mas, vamos ao que interessa! O que me motivou mesmo a escrever sobre o futebol russo foi a passagem dos seus quatro times às fases decisivas das competições europeias. Pela Liga dos Campeões, CSKA e Zenit (ambos ex-campeões da antiga Copa da UEFA na década de 2000) se classificaram para as oitavas de final da Champions. Pela Liga Europa (antiga Copa da UEFA, os tártaros do Rubin e os moscovitas do Lokomotiv, também garantiram ingresso nas fases decisivas.

Certa vez, um torcedor do Arsenal, ao protestar contra a compra de parte do patrimônio do clube pelos empresários norte-americanos reclamou com uma frase que simboliza a era super profissional do esporte bretão: "Antigamente, era futebol e um pouco de dinheiro. Hoje é dinheiro e um pouco de futebol." Sábias palavras do torcedor inglês. Ainda na década de 1980, clubes podiam despontar no cenário mundial, com os brios de atletas regionais e fazerem a fama épica de sua labuta futebolística. O escocês Aberdeen foi campeão da Recopa em 1983 com um time formado por jogadores escoceses da região, liderados por Sir Alex Ferguson, batendo o todo poderoso Real Madrid. O Nottingam Forest foi campeão da Liga dos Campeões em 1979 da mesma forma. E outros exemplos existem da época do futebol romântico. Hoje, sem o apoio financeiro, fica difícil ter um campeonato nacional forte e equipes se destacando em competições continentais. O futebol russo entrou de cabeça na era dos mega-negócios esportivos. Os principais patrocinadores dos times russos são empresas de extração de petróleo e gás: Lukoil, Gazprom, Bashneft, além de outras multinacionais.

O Campeonato Russo está parado, devido às nevascas do período e só deve retornar no final de março, começo de abril. Quem lidera o campeonato é o forte time do Zenit, aquele que menos oscila. O Zenit dispõe de vários jogadores internacionais (os portugueses Dani e Bruno Alves, o sérvio Lazovic e o belga Lombaerts, são alguns exemplos), mas também tem vários jogadores russos de qualidade, destacando-se o centroavante de área, Bukhárov, atual centroavante da seleção russa, com todos os méritos, pois tem jogado melhor que a pseudo-estrela do Tottenham, Pavliuchenko. O Zenit também conta com o caldeirão do Estádio Kirov, localizado às margens do Golfo da Finlândia, em São Petersburgo. A equipe é treinada pelo italiano Luciano Spaletti.

Outro time russo muito forte e que está em segundo lugar no campeonato russo é o CSKA. Confesso que o time que mais simpatizo, além do Rubin. O CSKA é um time muito bem arrumado taticamente pelo treinador Leonid Slutsky. A base do time é toda russa, começando pelo goleiro titular da seleção, Akinfeev. A zaga conta com o titularíssimo da seleção,, Ignashevich, e os irmãos Vitali e Alexei Berezutsky. No meio de campo, a experiência de Aldonin, além das promessas Mamaev e Dzagoev, ambos vistos como o futuro meio-de-campo da seleção. No ataque, o excelente marfinense Doumbia e o nosso conhecido Vágner Love. O CSKA, clube que desde a década de 1930 já recebia jogadores negros em seus elencos, parece ter uma torcida mais tolerante num mundo que ainda sofre com preconceitos raciais ridículos.

O terceiro clube que analisamos é o Lokomotiv, detentor da terceira maior torcida de Moscou, um time irregular, embora tenha um excelente elenco, onde se destacam, no ataque, o experiente Sychev, ídolo maior do clube, o excelente equatoriano Caicedo, além do meia esquerdo Torbinsky, da seleção nacional. O Loko carece de uma boa sequência de vitórias pra merecer brigar pelo título desta temporada.

O quarto clube que analisamos é o Rubin Kazan, campeão russo em 2009, faz uma campanha regular este ano, embora também possua um brilhante elenco, onde se destacam o turco Karadeniz, o equtoriano Noboa, o atacante paraguaio Valdés e o africano Martins (ex-Inter de Milão). A grande decepção do time kazanense fica por conta do brasileiro Carlos Eduardo, ex-Grêmio, contratado junto ao Hoffenhein da Alemanha por nada menos que 20 milhões de euros e que quando não está machucado, não merece a titularidade. O Rubin está apenas em quinto no Campeonato Russo.

Os quatro times acima analisados são os que conseguiram vagas nas próximas fases das competições européias. Deles, o CSKA tem a missão mais difícil: enfrentará o Real Madrid. Mas, creio que uma boa partida no Estádio Luzhniki, pode dar chances aos krasnyi-sinyi moscovitas na partida de volta na capital espanhola. O Zenit enfrentará o Benfica, numa batalha, ao meu ver, sem favoritos. E como o Zenit é o mais estável dos times russos, confio que possa brigar ferrenhamente pela vaga nas quartas. Pela Liga Europa, o Rubin Kazan vai enfrentar o Olimpiacos da Grécia. Missão difícil, mas também não antevejo favoritos. Já o Lokomotiv enfrentará os bascos do Athletic Bilbao, uma equipe sempre difícil de ser batida, mas como disse anteriormente, o maior problema do Lokomotiv é a instibalidade, joga partidas boas e ruins de uma semana para a outra.

Deixo para uma outra postagem, as análises dos outros times russos, como o Spartak Moscou, clube de maior torcida do país, além do Dinamo Moscou, e da nova estrelas do business esportivo, o daguestano Anzhi Makhachkala. Quem sabe eu crio o blogue e posso falar, inclusive, da segunda divisão russa, donde tive a oportunidade de assistir dois jogos na casa do Kamaz, em Naberezhnye Chelny. Desejo boa sorte aos times russos, com especial ênfase ao CSKA e o Rubin, embora reconheça que a missão do rubro-azul de Moscou seja dificílima.

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Recordação do Pôr do Sol no Monastério de Hayfa

Era noite de primavera naquele monastério distante, fronteira do Tartaristão com o místico Estado de Mari-El. O sol, numa ignorância poética, já havia partido rumo ao ocidente, restava apenas sua tinta dourada no céu azul. Um sino tocava de forma espaçada, fazendo concorrência aos salves sibilíticos dos pássaros. Ao redor, tudo era perfeita harmonia: a floresta, o lago com uma finíssima camada de gelo ao longe, quase ninguém.

Caminhando pelo bosque atrás da catedral ortodoxa lembrava da minha infância, de uma inocência perdida lá dentro da carne humana. Estava distante de casa, mas tão próximo da perfeição. O silêncio me invadia a alma, enquanto traçava uma analogia entre a vida e o crepúsculo. Não seria nossa passagem pela Terra, um melancólico, curto e esplendoroso pôr do sol?

De alguma maneira, gostaria de preservar aquela paz comigo. Mas, o tempo marchava e as trevas avançavam rumo ao ocidente na sua batalha campal diária. Também em mim, a noite retomaria seu espaço. Estava na hora de voltar à Kazan.

Alguns meses se passaram, oscilantes dicotomias de luz entre diferentes interpretações daquele pôr do sol. Um pequeno quadro do monastério de Hayfa, quase todos os dias esquecido na parede, trouxe-me a plácida reflexão daquela quase perfeição esquecida.

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

O Coração dos Aflitos

Nesta segunda-feira, 17 de outubro de 2011, o Clube Náutico Capibaribe assinará o contrato de parceria com uma grande empreiteira e o Governo do Estado, para que o clube passe a assumir o estádio da Copa do Mundo de 2014, a chamada Arena da Copa. Aliás, esse nome “arena” me incomoda. Por que não estádio ou coliseu? O estádio nos lembra que o esporte competitivo também é uma arte, um teatro à céu aberto que nos conduz, muitas vezes, às raias mais tensionadas da emoção.

O Náutico abandonará sua casa, o Estádio Eládio de Barros Carvalho, popularmente conhecido como Aflitos, nome do bairro onde se situa o clube, que por sua vez, possui este nome graças à capela de Nossa Senhora dos Aflitos. Dirigentes ávidos por mudanças assinarão um contrato em que o Náutico alugará o terreno do estádio para que construam algo rentável (um shopping, edifícios empresariais...) para as construtoras. Em troca do aluguel, terá uma renda mensal vantajosa para os padrões atuais, receberá a Arena da Copa (um estádio nos moldes mais modernos), melhorias estruturais no Centro de Treinamento da Guabiraba e a possibilidade de se tornar independente financeiramente.

As vantagens parecem incontestes do ponto de vista econômico. Mas, “quando a esmola é demais, o santo desconfia”, e alguns fatores me deixam escaldado. O primeiro foi a rapidez em se resolver pela venda do estádio. Entre o surgimento da notícia, a votação pelos conselheiros e a assinatura do contrato, não teve o intervalo de três meses, sequer. Um, dois, três e pimba! Não houve uma pesquisa entre os amantes do clube, uma enquete séria com as grandes mídias, uma urna na entrada dos sócios para pedir-lhes a opinião. Mal os torcedores discutiam nos bares ao redor do estádio, a notícia já estava pronta, com as “vantagens” supracitadas.

Entretanto, assim como na reprodução do cotidiano, os sentimentos são esmagados pelos números convincentes do discurso econômico. Ufanam os entusiastas: “virão títulos, modernidade, seremos a maior força do Nordeste...” Mas, se esquecem que o maior patrimônio de um clube é a torcida. A relação do Náutico com seu (ainda) atual estádio é visceral. O Estádio dos Aflitos foi o palco do hexacampeonato; da mais dolorosa derrota da nossa história, a umbrática Batalha contra o Grêmio; é, acima de tudo, o caldeirão que faz a diferença nos últimos anos pró-Náutico (vide sermos o único clube invicto das duas principais divisões em seu mando). É o teatro lato sensu, onde se ri e se chora.

O Náutico não possui a maior torcida da capital, perdemos em números para o Santa Cruz e o Sport, porém a presença da comunidade em um estádio central como os Aflitos mostra à cidade a presença da nação alvirrubra. Os Aflitos deram visibilidade ao Náutico, pois quando o time joga em seu reduto, mesmo quem não gosta de futebol sabe: hoje o Timbu tá na área. Sem demérito à cidade de São Lourenço da Mata, o novo estádio dificultará o acesso de quem mora em cidades como Olinda, Paulista e Jaboatão, por exemplo. Sem contar que nos jogos que acabariam à meia-noite, seria perigoso pegar a BR-232 e voltar pra casa. Além do mais, essa conversa que "vamos construir isso e aquilo pra facilitar o acesso", fica ao gosto de quem acredita em promessas políticas.

Em suma, corremos o risco de termos uma Arena vazia, que satisfará uma minoria obsequiosa por dinheiro, em oposição ao legítimo sentimento da torcida de perda da identidade. O que me incomoda nesse processo relâmpago é a velocidade como a negociação foi conduzida. Por que não se maturou um pouco mais sobre o tema? Por que não fizeram uma pesquisa com torcedores em dias de jogos? Será que ainda há tempo de conter o irremediável? A cidade continua crescendo, atropelando a história e as afetividades, em nome da glória mercadológica. Há de se endurecer a alma um pouco a cada dia para se adaptar às necessidades do mundo descartável.

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Valeu, Edwind!

Hoje, faleceu meu tio, Edwind Julio Almanza Baca, em Salvador, Bahia. As causas da morte, eu ainda não sei, tampouco me interessa. Não quero lembrar da ausência. Edwind veio da Nicarágua para o Brasil com pouco dinheiro e uma garrafa de whisky, ainda no final dos anos 1970, como ele mesmo contava. Homem boêmio e "desenrolado", conseguiu sobreviver num país estrangeiro, com pouquíssimos recursos e muito jogo de cintura. Morava na casa do estudante da UPE e guardava a marmita do almoço para completar a janta. Edwind não era meu tio de sangue. Mas, será mesmo que não? Se o coração é o distribuidor do sangue pelo corpo, como Edwind não era meu parente?

Edwind nos aproximou daquele minúsculo e despretensioso país, um dos mais pobres das Américas, marcado por conflitos entre caudilhos e populares, com fortes cicatrizes pelas trêmulas montanhas. Ainda assim, aquele desapercebido lugar, foi escolhido por mim, ao menos duas vezes durante a vida escolar, como exercício nas aulas de geografia. A salsa, as músicas de Bemvindo Granda, o rum Flor de Caña, as imagens de sua pequena cidade, Boaco. Graças a Edwind, a Nicarágua era maior que o México ou a Argentina, por exemplo.

O imenso Brasil não foi de acolhida fácil. Edwind viveu em Recife, no sertão de Parnamirim, até se consolidar economicamente no Recôncavo Baiano. Quando chegou lá, já levava consigo sua bela família. Nesse tempo, ele já era o Tio Amendoim, que sempre vinha passar as férias na casa do meu avô, no bairro do Engenho do Meio, onde ainda hoje resido. Sua chegada era aguardada com ansiedade por todos na casa. Quando eles ligavam de algum ponto na estrada, dizendo que chegariam tal hora, meu avô Emílio punha-se na porta a esperar, quando o carro chegava, recordo-me de estar ao lado do meu avô, sempre vestido de branco, que soltava um uivo agudo de felicidade: "uiááá!" Eles vinham para ficar um mês inteiro! Ao seu redor, todos se sentiam à vontade, Edwind tinha o raríssimo dom de agradar a gregos e troianos, sem ser hipócrita ou forçado. Era sua espontaneidade que cativava e conquistava.

Há exatos onze dias, numa noite de quinta-feira, escutei um barulho de carro parar na frente de casa e um alvoroço. Abri a janela do primeiro andar e me reparo com aquela figura pitoresca: usando um chapéu de cowboy e gritando com aquele sotaque gostoso, meio nicaraguense, meio baiano: "Odomirinho!" Ele veio sem avisar! É assim que ele entra na vida da gente. Passamos três dias juntos. Sempre que vinha à Recife, ficava na nossa casa, mesmo sabendo que a hospedagem aqui é muito simples, mas era disso mesmo que ele gostava. Talvez, fosse uma lembrança de sua pobre e pequenina terra natal. Edwind nunca foi de escolher amizade por status social, pelo contrário, sua virtude maior era descobrir, em meio aos ambientes mais inusitados, a recôndita, simples e pura filosofia da vida. E por falar na musa do saber, seus conhecimentos da cultura grega e dos pensadores franceses e alemães era notável. Foi Edwind que abriu meus olhos para o pensamento de Arthur Schopenhauer e Nietzsche. Lia Aristóteles, e encontrava a razão para o mundo pós-moderno, na sabedoria clássica dos gregos. Mas, engana-se quem acha que estou falando de um professor universitário de filosofia. Não, Edwind era cirurgião-dentista! Uma exceção num mundo onde as pessoas se pegam interessadas apenas no trivial, na razão unilateral do conhecimento capitalista.

Hoje, ele se foi. A vida é um quase infinito abrir e fechar de portas. As mesmas que se abriram para que ele deixasse sua pequena Nicarágua e viesse pro nordeste do Brasil, que o conduziram pelo seu tortuoso, quase um passe de salsa, mas suave caminho, hoje se fecharam pela última vez. É o fim do baile, cabrón! Toda festa tem um fim. Valeu, Edwind! Eu estou triste, mas isso passa! Tenho certeza, amigo, que as recordações são fortes e boas! Trouxesses felicidade para o mundo! Agora, vives nas melhores lembranças! Saíste do baile pela porta da frente!

sábado, 20 de agosto de 2011

Liberdade é Desespero

Tu que bradas aos quatro ventos
teu primitivo uivo de liberdade:
Saibas, que te coroam,
como lúgubres vultos num acanhado espelho sem luz,
As grades invisíveis do desespero.

terça-feira, 2 de agosto de 2011

A Viagem

Irineu estava inquieto. Desde ontem não encontrava descanso em seu pensamento, e este estado caótico de suas faculdades mentais, coincidiam, quase sempre, com os momentos que se seguiam a uma viagem de avião. Não sabia por que, mas antes de cada viagem, fazia questão de deixar as contas em dia, não queria deixar nada atravessado. Ia viajar de Recife para Petrolina, apenas uma hora, mas mesmo assim, o angustiava a possibilidade de deixar o mundo num acidente aéreo e as coisas não ficarem claras pra si próprio. Como sempre acontecia nas vésperas das viagens, Irineu repousou na questão de Deus.

Era ateu, mas não convicto. O milagre nunca se apresentara pra ele. Levava uma vida sem muitas turbulências, embora fosse professor de literatura, e as leituras clássicas de Poe e Lord Byron sempre o deixavam num estado de perturbação e de investigação sobrenaturais constantes. Então, Irineu passou a se questionar sobre a existência ou não de Deus, discussão que sempre que podia, evitava. “Ora, não tenho conhecimento suficiente, além do mais o universo é indefinido para o homem, não hei de me atormentar com isso.” E assim, sempre desviava da questão central da existência. Mas, estava às vésperas de mais uma viagem de avião, e como sempre, não queria “morrer” deixando dívidas com sua consciência.

Passou a desenvolver uma questão que o entreteu por muito tempo antes de dormir. Imaginou que todos os que creem, retornariam para uma nova vida, algo como o Eterno Retorno de Platão e Nietzsche. Assim, se um egípcio cria em Alá, ao morrer, em algum momento, voltaria, mesmo que na outra vida, viesse a ser cristão, budista ou ateu. A fé seria o passaporte para o retorno. Até o dia em que o homem, alimentado pela razão, atingiria o ateísmo e assim, ao morrer, encontraria, finalmente, o sossego da não-existência. Envolvido nesta idéia, relembrou do conceito de Santo Agostinho de distentio ameni, e que o tempo estaria apreendido em seu espírito e deste modo, com a morte de Deus dentro de si, já não haveria espírito e o ateu encontraria o repouso sem eternidade. Assim, neste divertimento de mediana intelectualidade, adormeceu.

O voo estava marcado para as seis da manhã, partindo do Aeroporto Internacional Gilberto Freyre. Irineu tomou seu assento no avião bimotor, havia espaço para 24 pessoas e restavam, talvez, duas ou três vagas, apenas. Ao seu lado, sentou-se uma senhora de uns 60 anos, bem vestida. Não travaram conhecimento, talvez um leve aceno de cabeça, quando ela conferiu o número da poltrona e o lugar vizinho ao seu. O avião correu na pista, levantou voo. Mas, não pegava muita altura e tremia bastante. O piloto disse que estava com problemas e ia tentar retornar. Um alarido foi ouvido dentro do pássaro prateado. Ao seu lado, a mulher começara a rezar: “Meu Deus, nos ajude. Ó Senhor, tenha piedade de nós!” As pessoas gritavam, em pânico, enquanto avião passava raspando entre os prédios do bairro de Boa Viagem, tremendo. O pânico se instalara. A mulher tentou se agarrar às suas mãos, abalada, já com lágrimas nos olhos. Irineu pensou em rezar, ou talvez pedir o tão aguardado milagre. Mas, lembrou-se de sua teoria, e num átimo, baixou a cabeça, esqueceu-se da velha e mergulhou na escuridão.

quarta-feira, 27 de julho de 2011

O Inverno na Aldeia

O Inverno na Aldeia é uma pintura à óleo do artista A. F. Gaush (1873-1947) e se encontra no Museu Nacional do Tartaristão, na cidade de Kazan.

quinta-feira, 14 de julho de 2011

Sobre a Necessidade de Deus

Há exatos dois meses, minha indefinição perante o mundo tem me deixado bastante desassossegado. Estou envolvido num projeto que consiste na análise do pensamento do escritor Dostoiévski e sua relação com o surgimento dos grupos anarquistas, niilistas e terroristas na sua Rússia. Para tanto, vou me aprofundando nas leituras sobre Bielinski, Herzen, Bakunin, Tchernichevski e sobre as atuações de revolucionários como Korokózov e Netcháiev. Dostoiévski e seus amigos eslavófilos, defensores da ortodoxia cristã, combatiam através de seus discursos impressos em revistas e folhetins, a atuação desses grupos radicais conhecidos como a "nova geração", homens da década de 1860.

Para Dostoiévski, em linhas gerais, a crença era fundamental para o futuro do seu país. A religião seria o elo que uniria o povo russo e o conduziria a um grandioso futuro, governado pela fé em Cristo. Pausei minha pesquisa por um instante, preparei um copo de chá preto, eram duas da manhã, peguei meu hollywood de menta, e fiquei a meditar na janela do meu apartamento, acompanhado pelo silêncio da madrugada. Da janela, sentia-se a tranquilidade das ruas numa madrugada de quarta para quinta feira. De vez em quando chovia e fazia um clima bastante agradável nesses dias, de maneira que todo mundo estava dormindo no bairro. Havia um imperioso silêncio. Ouvia-se os fortuitos carros a trafegar na rodovia federal, ao longe. Envolto nesta tranquilidade, organizava meu inquieto pensamento. Pensava que a idéia de Dostoiévski é fundamentada numa bagagem histórica muito coerente: a sociedade precisa de Deus. São os mitos que unem os povos, para uns é Cristo, para outros Maomé ou Buda, mas é a divindade que dá sentido os povos. Sem a presença desta entidade mítica, caberia ao homem, sempre falho e egoísta, o papel de assumir o panteão mitológico que uniria um povo. Deste modo, no século XX, Stálin e Hitler, para citar apenas dois nomes, tornaram-se mitos em suas nações, abolindo a idéia de um deus, tornaram-se homens-mitos, e guiaram seus povos para o caminho que todos nós conhecemos. O mito é inevitável.

Para Dostoiévski, era Cristo o fim, e a Igreja Ortodoxa, o meio. Para outros, é o socialismo, o anarquismo, o budismo ou niilismo punk. Alguém sempre toma partido por alguma causa. Inquieta-me este voto nulo que confiro às entidades míticas. Não consigo tomar partido de nenhuma causa divina, nem política. Deus se perde na abstração cósmica do universo e nas suas escolhas aleatórias para com os seres humanos. As organizações políticas, por sua vez, pela própria imperfeição humana na concepção e execução de seus projetos estão sempre fadadas ao fracasso, mais cedo ou mais tarde. Poxa, como queria crer em Deus e encontrar a paz! Ou quem sabe, militar nalguma causa política devotamente, onde pudesse enxergar de modo cristalinos as benesses de uma causa positiva para a humanidade. Onde estaria a utopia?

O cigarro já estava na metade, quando o silêncio da madrugada começou a ser rompido por um barulho que crescia de modo progressivo. Era uma moto que vinha em disparada, vrum, vrum, vruuum, as marchas trocavam rapidamente e as lombadas da rua pareciam ser obstáculos menores. Para minha infelicidade, em frente à janela de casa há uma lombada e um cruzamento. A moto diminui sua aceleração e pude ver dois homens se aproximarem sem capacete. O da frente dirigia concentrado, como quem vem numa fuga alucinante. O de trás vinha sem camisa, tinha o corpo moreno e era magro. Possuía um revólver na mão direita. A cena toda, desde a percepção do ruído do motor, não durou mais do que oito, talvez dez segundos. Ao perceber um espectador e a luz acesa da sala, o homem da garupa apontou a arma em direção à minha janela, enquanto eu só tive tempo de me esquivar. Mesmo que ficasse parado, a bala não me atingiria, mas explodiu ruidosamente contra a madeira de cerejeira da janela. Pá! Corri para o meio da sala e apaguei a luz. Escutava ao longe a gargalhada do bandido desaparecendo pela rua, assim como o motor da moto. Fiquei uns dois minutos sentado no chão, no breu da madrugada, com o coração disparado e morrendo de medo. Alguns vizinhos acendiam as luzes para ver o que tinha se passado. Voltei pra janela, havia um projétil encravado na madeira de cerejeira. E agora, devo acreditar em Deus ou no anarquismo?